-
Narcopentecostalismo: Traficantes Evangélicos Brigam Por Território No RJ Usando A Religião
-
No Complexo de Israel está cada vez mais crescente o fenômeno conhecido por 'narcopentecostalismo', onde os traficantes se declaram evangélicos
- Por Anderson Santos
- 12/05/2023 16h09 - Atualizado há 1 ano
Os traficantes que exercem domínio sobre as favelas de Parada de Lucas, Vigário Geral e outras três comunidades na Zona Norte do Rio de Janeiro adotam símbolos de natureza bíblica para sua representação.
A organização criminosa se autointitula "Tropa de Arão" - fazendo referência ao irmão de Moisés. A estrela de Davi foi amplamente disseminada nos muros e bandeiras espalhadas pela favela, e até mesmo um letreiro em neon com esse símbolo foi colocado no topo de uma caixa d'água na comunidade Cidade Alta.
De acordo com informações da polícia, o líder da Tropa decidiu nomear o território como "Complexo de Israel", em alusão à "terra prometida".
No início, o grupo criminoso estabeleceu sua influência no comércio de drogas em Parada de Lucas e, posteriormente, expandiu seu domínio para as comunidades próximas. Atualmente, segundo informações da polícia, a Tropa controla as atividades do tráfico nas favelas de Cidade Alta, Pica-pau, Cinco Bocas e Vigário Geral.
Narcopentecostalismo
Um dos territórios dominados foi batizado de 'Complexo de Israel' por líder do grupo criminoso — Imagem: reprodução/g1
O Complexo de Israel ilustra um fenômeno conhecido por alguns pesquisadores como "narcopentecostalismo".
Essa terminologia abrange não apenas o surgimento de traficantes que se identificam como evangélicos, mas também a maneira como essa identidade religiosa influencia as estratégias e atuação das facções na busca pelo controle territorial no Rio de Janeiro.
“O termo neopentecostalismo tem sido empregado por diversos pesquisadores que analisam o fenômeno de narcotraficantes que assumem, de forma explícita e aberta, religiões neopentecostais, inclusive em suas atividades criminosas”, explica Kristina Hinz, cientista política da UERJ.
A religião desempenha um papel estratégico na manutenção do poder e na disputa por territórios.
No entanto, é importante ressaltar que a comunidade evangélica tradicional rejeita veementemente a ideia de que um traficante possa ser considerado um evangélico.
Os pesquisadores apontam que os traficantes associados ao neopentecostalismo não apenas se autodeclaram membros dessa religião, mas também levam uma vida religiosa ativa.
O líder do tráfico no Complexo de Israel é alvo de 20 mandados de prisão relacionados a crimes como homicídio, tortura, tráfico de drogas, roubos e ocultação de cadáveres.
Surpreendentemente, ao mesmo tempo, ele se declara evangélico, espalha símbolos e referências religiosas pela região e possui amizade com pastores, conforme apontado pelas autoridades policiais.
“São traficantes que ao mesmo tempo participam da ‘vida do crime’ e da vida religiosa evangélica, indo a cultos, pagando o dízimo e até mesmo pagando por apresentações de artistas gospel na comunidade”, afirma Kristina Hinz.
Os pesquisadores afirmam que a influência das religiões nas dinâmicas de poder do tráfico sempre existiu e não está restrita apenas ao protestantismo. No entanto, a conversão de traficantes ao pentecostalismo apresenta características distintas, especialmente em um país que tende a ter uma maioria evangélica na próxima década.
Reportagem de 2022 mostra os muros e barricadas construídos pelo tráfico no Complexo de Israel